sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Vai uma gaja ao meu lado a ler um livrinho de auto-ajuda. Segundo a contra-capa, a vida é como uma cozinha cósmica (!) onde um cozinheiro (!) está pronto a confeccionar todos os pratos (!) que desejarmos... Estes livros são sempre muito bons, ás vezes abrem o apetite e tudo e fazem muito bem mas a quem os escreve. Daí que já era tempo de alguém ensinar os leitores a escreverem eles próprios livros de auto-ajuda. Tarefa a que, com a humildade que me caracteriza, me proponho aqui fazer em apenas uma lição.
O segredo de um bom livro de auto-ajuda está numa qualquer permissa, uma ideia central à qual se junta palha de vária espécie. O ponto de partida é sempre simples para depois se complicar como complicadas estão as cabeças que vão ler o livro, e passa por classificar a vida, transpôr a ideia da vida para algo objectivo, algo com um funcionamento simples e linear. A vida tem que ser sempre como qualquer coisa simples e linear e a partir daí desenvolve-mos o tema nas suas diferentes vertentes cósmicas, complexas e pouco lineares.
Em vez de uma “cozinha cósmica”, a vida pode, por exemplo, ser como um martelo. É isso, a vida é como um martelo. Porquê ? Não é óbvio ? É preciso saber manejar bem o martelo, escolher bem os pregos com que vamos pregando tábua a tábua, construindo o caixão onde nos vamos enfiar um dia quando já não tivermos mais opções. Ok, enganei-me, isto seria antes para um livro de auto-destruição. Mas repare-se no entanto que a vida como martelo vai buscar a sua lógica à vida como funil. Enquanto donos e senhores da nossa juventude e liberdade, fontes da vida, o nosso leque de opções é bastante vasto, para depois ir afunilando com o passar dos anos. De facto, há medida que os anos passam, são cada vez menos as opções que temos, até ao ultimo suspiro, onde não restam opções. Nestes breves paragrafos sobre a vida como funil esqueci-me de acrescentar que o funil é cósmico. Faço-o agora. Ainda assim, lanço outro exemplo: a vida é como um agrafador! O agrafador que pode manter unidas as várias dimensões da nossa personalidade, um monte de papeis desalinhados que ao longo da vida necessita de ordem. Um desagrafador também dará jeito e convirá escolher bem os agrafos, cósmicos de preferência, convirá que sejam da medida certa e depois temos de ter sempre cuidado para não nos magoar-nos ao agrafar ou ter a certeza que os agrafos não ficam com as pontas para fora do papel, para não magoar outras pessoas que amamos ou pensamos que amamos. Não sei se me faço entender sobre este facto, da vida poder ser como um qualquer objecto como ponto de partida simples e linear para um excelente livro de auto-ajuda escrito por si. E quem diz objecto diz divisão da nossa casa. É que a vida em vez de poder ser como uma “cozinha cósmica” pode também ser como uma casa de banho a qual exige uma constante manutenção. E sempre que alguma merda se agarra á loiça da sanita, que é como quem diz, todo e qualquer tipo de problema ou pensamento negativo que se cole ao nosso espírito, porque só com o autoclismo não vai lá, limpamo-la de imediato com um piaçaba…cósmico naturalmente.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

De vez em quando sou confrontado com situações que reforçam em mim a ideia de que além de fantasma, sou um monstro. Uma colega minha que, vá-se lá saber como, consegue ver-me, interrompe o meu trajecto da hora de almoço para me contar uma novidade. Há uma colega nossa que descobriu ter cancro na mama. A notícia é-me transmitida com a solenidade habitual destas circunstâncias e eu tento retribuir com algumas frases igualmente solenes, igualmente adequadas. Mas porque quis deus nosso senhor que naquele momento passassem por nós várias gajas boas que desciam a rua, enquanto mantenho o diálogo em piloto automático, não consigo deixar de olhar fascinado para os seus corpos e acho que simultâneamente não consigo disfarçar um certo cinismo que me aflige... Não sei se a minha interlocutora repara mas suponho que ela já sabe o que a casa gasta. Mesmo na desgraça, por mais dramática que seja, e parece-me que nunca é mais dramática que a minha própria existência, nunca a minha natureza lubrica me dá descanso.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Tenho três clientes à minha frente. O atendimento destes “restaurantes” quere-se rápido mas infelizmente a food é cada vez menos fast para se ir tornando cada vez mais junk. Já nos tinham avisado mas pareciamos fascinados pela celeridade mágica com que se satisfazia o apetite. Perdida a graça e a paciência, sobra a fome, restam-nos os nacos de pizza, cada vez mais pequenos, cada vez com menos pedaços de fiambre. Há sempre alguem escondido atrás do balcão que faz uma conta e chega a conclusão que se tirar 50 gramas de farinha e um pedaço de fiambre á pizza, ninguem dará por isso e pagará o mesmo. A seguir multiplica-se a pequena poupança por 1000 pizzas e o dinheiro poupado já dá para comprar um plasma maior. Há demasiada gente a fazer contas deste tipo, fazem-nas repetidamente e inventam outras, como esta cujo resultado é pôr a miuda que recebe os pedidos na caixa de pré-pagamento a fazer-nos propostas a cada pedido que é feito. Se queremos apenas uma fatia de pizza, ela sugere que por mais um euro temos direito a duas fatias de pizza. Se desejamos um copo de coca-cola pequeno, ela contrapõe que por mais 50 cêntimos temos direito a meio-litro de coca-cola. Enquanto isto desesperamos na fila pela nossa fatia de pizza a um euro. Com mais 70 cêntimos levamos a sobremesa. A conta que fizeram na sobremesa, neste pequeno recipiente de plástico redondo com meia duzia de tringulos de ananás cortados na parte da manhã, manhã de ontem entenda-se, foi a de meterem lá para dentro dois ou três triangulos misturados, da parte do meio de ananás, aquela parte dura e que ninguém come.
Numa sociedade orientada para o lucro não há espaço para o glamour.