segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Bolo de arroz com fiambre

A mudança de instalações operou em mim uma mudança no relacionamento que tinha com o trabalho. E afirmo-o com a certeza de que não se trata de um fenómeno passageiro, como tantos outros pelos quais se rege a minha fantasmagórica existência. A coisa já dura há umas boas quatro semanas. Do cubículo muito pouco conspícuo onde me encontrava, passei agora para um amplo open space com excelentes condições de trabalho. A começar pela vista. Se ainda não alcancei o sonho de viver numa casa com vista para o mar (podia ser uma daquelas como tem o Tony Starck), passei a trabalhar num moderno edifício com vista para um Tejo decorado pela ponte Vasco da Gama, todos os dias a uma distancia e com uma dimensão diferentes, porque diferentes são as condições de visibilidade e luminosidade da paisagem, quase sempre marcada pela ténue neblina que se forma com a humidade do rio. Voltando ao trabalho, o trabalho que me tem absorvido, os americanos percebem disto. Falo do open space, invenção dos tipos que, não duvido, do ponto de vista da produtividade opera resultados excelentes, pelo menos em pessoas ‘intropervertidas’ como eu. Parecem tão longe os dias em que normalmente me perdia na net a navegar por aqui e por ali, no resguardo do meu cubículo, na companhia dos meus poucos e cúmplices subordinados. Agora tenho-me dedicado muito mais ao labor, a minha capacidade de concentração e enfoque no trabalho está redobrada. Como se o constante passar de colegas, as constantes conversas que cruzam o ar me obrigassem a refugiar precisamente no serviço, único ’local’ onde consigo abrigo. Ou como se o ‘sistema’ finalmente me oferecesse as condições que julgo merecia e me sinto compelido a retribuir dando o meu melhor.
Também a trabalhar mais longe de casa, tenho-me dedicado a descobrir e cumprir novas rotinas e a aperceber-me de quanta falta elas me faziam ou fazem. Habitualmente paro num café muito 'lounge' da avenida. Os primeiros dias foram marcados pela triste constatação de que a atender encontravam-se dois putos com cara de enjoadinhos, ainda assim eficientes. Ao terceiro dia quando um deles se aproximou da mesa, limitei-me a pedir o costume. Alguns minutos mais tarde já tinha o meu pão de deus com fiambre e o galão bastante 'macchiato' como eu gosto em cima da mesa com vista para a SIC notícias. E hoje, a agradável surpresa. Um dos putos já há alguns dias fora substituído por uma miúda de cor. Vou-me escusar a tecer considerações sobre a pretita, simpática por sinal. Eu simplesmente não sinto qualquer atracção por pretas. Mas hoje, uma miúda do tipo pastelinho de nata mas sem canela, como eu gosto, veio atender-me. Eu costumo comer os pasteis de nata com uma colherzinha. Começo sempre por comer primeiro a deliciosa parte cremosa, raspando-a totalmente até só sobrar a deliciosa massa folhada. Cada prazer a seu tempo. Esta miúda, comia-a duma vez só, sem colherzinha, mais do tipo bolo de arroz, aquele bolo que temos de despir antes de o comer. Aqui sim, vou perder-me um pouco, dizendo-vos que momentos mágicos presenciei esta manhã quando a vi, calças de bombazina escura, ténis e uma t-shirt vermelha com a palavra staff nas costas. Como o tempo parava cada vez que ela se dirigia às mesas em redor e sempre se debruçando suavemente para a frente, num gesto de profundo erotismo que só eu captava, quando pegava de forma inexpriente nas chávenas e pratinhos das bicas deixadas pelos clientes, evidenciando as curvas do seu corpo tão perfeitamente desenhado e harmonioso, à medida dos meus olhos. E depois com um pano, limpava energicamente a superfície das mesas, transmitindo ao corpo desenhado à medida dos meus sonhos, uma vibração que chamava pelas minhas mãos. Quando ela me veio perguntar o que eu ia querer, perdi-me por completo nos seus inocentes olhos e pedi um 'bolo de arroz' que apetecia despir, com fiambre e um galão, mas bem 'macchiato'. Ela pareceu estranhar o pedido e perguntou-me se era mesmo o que eu queria. Eu insisti que sim, que o que eu queria era sentir a pressão dos seus lábios contra os meus, sentir o ar quente purificado que os atravessava. Mais tarde veio dizer-me que como não tinha na máquina registado o preço para um ‘bolo de arroz com fiambre’, iria registar 'um pão de deus com fiambre'. Que cabeça a minha, sorri-lhe, é o mesmo isso que eu quero, o seu corpo, mas simples.

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