domingo, 20 de dezembro de 2009

Caim ou o regresso do fantasma

Faço-te em salada de frutas malandro!
O que fica do Caim, do Saramago:
- Deus Nosso Senhor (DNS) é um filha-da-puta da pior espécie;
- a cena em que as escravas estão a lavar o pénis ao Cain e este ejacula para as suas bocas e caras;
- a cena em que o Noé está muito bem descansado a dormir e é enrabado pelo próprio filho;
- e, talvez o mais importante, talvez o maior favor que Saramago faz à humanidade e não está a ser nada reconhecido por isso, o facto de conciliar os criacionistas e os evolucionistas, ao apresentar a versão alternativa da bíblia que pacifica definitivamente a questão da origem da humanidade.
Se o livro acaba bem, não começa da mesma forma. Após as primeiras páginas, que eventualmente não terão sido ultrapassadas pelos radicais ortodoxos da nossa praça (só assim se explica a histeria) o livro deixa para trás aquela toada de gozo fácil, passando para um estilo mais formal onde pontua uma ironia mais refinada, mais de acordo com os pergaminhos de um Nobel.
Através de um fenómeno caracterizado pela distorção do espaço e do tempo, o burro que Caim monta leva-o até distintas paragens, fá-lo revisitar alguns dos principais episódios bíblicos, sendo neles protagonista activo ao interagir com as suas personagens e até com o próprio DNS, confrontando-o com a dose de bom senso que falta aos relatos bíblicos, uma espécie de voz da razão tão óbvia para aqueles que fazem uma leitura mais objectiva e pragmática dos textos supostamente sagrados. Não basta estar de fora, apontar as contradições, a violência imbuída dos relatos, a óbvia crueldade deste deus cristão. Saramago decide entrar na própria história, ter uma palavrinha a dizer a toda aquela gente.
O livro acaba bem, como já disse, com o merecido fim da humanidade. Tudo acaba no dilúvio. A arca não salva a humanidade estúpida, criação de DNS. Mas salvam-se os animais, incluído a macacada...de onde, então evoluímos. Ou seja, metade da história do mundo dá razão aos criacionista. Mas a outra metade, a história mais recente, razão aos evolucionistas. Os filhos de DNS, filhos de Adão e Eva tiveram a sua oportunidade perdida. O mundo é agora dos filhos do acaso. DNS é apenas mero espectador dos destinos que o acaso vão proporcionando aos seus agora, quanto muito, enteados. Daí que, salvo pequenas ilusões de óptica ao estilo de Fátima, Ele, a Família, os anjinhos, nunca mais tenham dado sinal de vida, que é como quem diz, de sinal da sua existência. Nunca mais entrou em diálogos directamente com o pessoal cá em baixo, como tão frequentemente fazia aos seus filhos legítimos. Um "Epá eu nisto não me meto!" que no fundo agradecemos. DNS, trata lá da tua vida que da nossa tratamos nós Ok?

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