domingo, 28 de maio de 2006

Turisticonsumo

(da série ‘palavras que deviam existir’)
Andamos enganados acerca da sempre adiada viagem das nossas vidas. Andamos entretidos a sonhar com esses destinos de férias pret-a-porter formatados à medida dos sonhos bem comportados, daqueles ilustrados nos outdoors e nas montras das agências. Aquele mar azul ao mesmo tempo cálido e transparente, a areia branca que ao mesmo tempo não fica teimosamente entre os dedos dos pés, as palmeiras ao mesmo tempo frondosas cuja sombra nos protege do sol ao mesmo tempo inofensivo para a pele, e a companhia da mulher dos nossos sonhos, aquela ao mesmo tempo loura de biquini no cartaz… Tudo isto é entediante e ao mesmo tempo tudo isto é alucinante.
O que conta não é o prazer da viagem em si, a continuidade inerente à viagem de A a B. O que interessa é a finalidade, o que conta é o destino, o paraíso a prazo, a ostensiva pensão completa, encher os cartões de memória das máquinas e esvaziar depois à chegada as recordações empoladas aos proximos visitantes da agência de viagem. O que vale é a fartura de não sairmos do mesmo lugar emocional, empanturrados de extras num local completamente efémero mas com juros eternos.
A volta ao mundo nada significa quando comparada com a volta à vida que em vez de financiamento a crédito pede coragem a pronto. Estranho consumismo turístico o dos nossos dias, quando a grande viagem pode-nos sair de borla... O mais extraordinário dos destinos pode muito bem estar já ali ao virar da rua, na grande viagem ao quiosque da esquina, ou, por exemplo, ao Beco dos Toucinheiros, amanhã quando subirmos a rua, viagem épica onde um dia, tudo pode acontecer.

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