Vou à missa. Sempre foi sítio onde nunca me senti assim muito à vontade. Nunca me dei bem com a solenidade do evento que obedece a um determinado número de rituais que dada a minha natureza desprovida de qualquer tipo de espiritualidade, nunca compreendi nem assimilei. Deus Nosso Senhor não quis que eu nascesse com o gosto pela missa, por esta estranha ginástica que aqui se pratica: ora estar de pé, ora sentado, ora fazendo gestos com as mãos ao mesmo tempo que as outras pessoas, ora repetindo ladainhas ao mesmo tempo que toda a gente, enquanto se mantém o cérebro adormecido, numa espécie de stand-by, embalado nas prédicas do padre.
Vou a esta missa porque me dizem ser uma missa diferente, que valerá a pena ouvir as vozes virginais das freiras entoarem cânticos celestiais, que me irão transportar para um estado de paz e harmonia que bem preciso, desgraçado! Obviamente que estão errados. Não há nada que traga paz e harmonia a um fantasma. Não há forma nem acontecimento que pare a lúbrica engrenagem do meu pensamento.
O local é um convento, algo secreto, algo esquecido, onde uma dúzia de freiras isoladas do mundo, duma certa realidade, não falam com ninguém exceptuando nestes Domingos, onde apenas abrem as suas tépidas bocas para cantar e recitar a bíblia. Nos restantes dias dedicam-se à contemplação e a cuidar de ovelhas. Como as freiras sempre fizeram parte do meu imaginário erótico, achei que seria boa ideia ir a esta missa.
Na pequena capela são mais as freiras que os assistentes. Além de mim, o único gajo presente está sentado no banco da frente abraçado a uma gaja. Aquele tipo de abraço que encontramos nos quadros de arte sacra da idade média. Ela pousa suavemente a cabeça no seu ombro, ele pousa delicadamente a sua sobre a cabeça dela, e adoptam sempre esta posição cada vez que se sentam, estando de mão dada, sempre suave e delicadamente, quando estão de pé.
Há vários momentos que retenho e que precedem a minha saída a meio da cerimónia porque de facto esta experiência conceptual está a ficar chata. Rapidamente a admiração e a novidade se esvaem na monotonia da liturgia onde nenhum dos protagonistas jamais olha para o outro. Falo do padre, das freiras, do rebanho, que a todo o momento se parecem ignorar, como se não existissem... Fantasmagórico, diria.
Um desses momentos é quando a certa altura o padre tem na mão um ramo de uma planta qualquer e se dirige a cada uma das freiras, acenando o ramo, assim do tipo pequena vergastada na cabeça. Não lhes toca, apenas ensaia o gesto e depois dirige-se à assistência e faz o mesmo gesto assim para o geral, tipo chibatada. Nesse momento toda a gente baixa a cabeça, amocham assim do género “ai vergasta-me que eu mereço”, e eu, apanhado de surpresa, sou o único que mantém a cabeça erguida sendo alvo imediato da atenção do padre que antes de voltar costas me olha surpreso como que a pensar “quem é aquele filho da puta que não amochou ?!”. Terá sido a única vez que o padre olhou directamente para alguém da assistência, do rebanho, e reparou nesta ovelha negra.
Um segundo momento acontece quando a certa altura toda a gente está sentada e faz-se silencio. Quando dou por mim reparo que mais uma vez todos amocharam. Parecem entregues a um qualquer estado meditativo que não consigo alcançar. Limito-me a observa-los, a observar as curvas que as gotas da chuva fazem na vidraça da janela, a verificar que não há ninguém, uma freira sequer a espreitar pelo canto do olho. Aproveito eu para escrutinar se há por ali beleza naqueles rostos, nas formas debaixo das vestes negras… A maior parte delas fazem-me lembrar a Irmã Lúcia. Acredito que assim como há putos que queiram ser e parecer com o Cristiano Ronaldo, as freiras deste convento também têm o seu modelo.
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