Vai uma gaja ao meu lado a ler um livrinho de auto-ajuda. Segundo a contra-capa, a vida é como uma cozinha cósmica (!) onde um cozinheiro (!) está pronto a confeccionar todos os pratos (!) que desejarmos... Estes livros são sempre muito bons, ás vezes abrem o apetite e tudo e fazem muito bem mas a quem os escreve. Daí que já era tempo de alguém ensinar os leitores a escreverem eles próprios livros de auto-ajuda. Tarefa a que, com a humildade que me caracteriza, me proponho aqui fazer em apenas uma lição.
O segredo de um bom livro de auto-ajuda está numa qualquer permissa, uma ideia central à qual se junta palha de vária espécie. O ponto de partida é sempre simples para depois se complicar como complicadas estão as cabeças que vão ler o livro, e passa por classificar a vida, transpôr a ideia da vida para algo objectivo, algo com um funcionamento simples e linear. A vida tem que ser sempre como qualquer coisa simples e linear e a partir daí desenvolve-mos o tema nas suas diferentes vertentes cósmicas, complexas e pouco lineares.
Em vez de uma “cozinha cósmica”, a vida pode, por exemplo, ser como um martelo. É isso, a vida é como um martelo. Porquê ? Não é óbvio ? É preciso saber manejar bem o martelo, escolher bem os pregos com que vamos pregando tábua a tábua, construindo o caixão onde nos vamos enfiar um dia quando já não tivermos mais opções. Ok, enganei-me, isto seria antes para um livro de auto-destruição. Mas repare-se no entanto que a vida como martelo vai buscar a sua lógica à vida como funil. Enquanto donos e senhores da nossa juventude e liberdade, fontes da vida, o nosso leque de opções é bastante vasto, para depois ir afunilando com o passar dos anos. De facto, há medida que os anos passam, são cada vez menos as opções que temos, até ao ultimo suspiro, onde não restam opções. Nestes breves paragrafos sobre a vida como funil esqueci-me de acrescentar que o funil é cósmico. Faço-o agora. Ainda assim, lanço outro exemplo: a vida é como um agrafador! O agrafador que pode manter unidas as várias dimensões da nossa personalidade, um monte de papeis desalinhados que ao longo da vida necessita de ordem. Um desagrafador também dará jeito e convirá escolher bem os agrafos, cósmicos de preferência, convirá que sejam da medida certa e depois temos de ter sempre cuidado para não nos magoar-nos ao agrafar ou ter a certeza que os agrafos não ficam com as pontas para fora do papel, para não magoar outras pessoas que amamos ou pensamos que amamos. Não sei se me faço entender sobre este facto, da vida poder ser como um qualquer objecto como ponto de partida simples e linear para um excelente livro de auto-ajuda escrito por si. E quem diz objecto diz divisão da nossa casa. É que a vida em vez de poder ser como uma “cozinha cósmica” pode também ser como uma casa de banho a qual exige uma constante manutenção. E sempre que alguma merda se agarra á loiça da sanita, que é como quem diz, todo e qualquer tipo de problema ou pensamento negativo que se cole ao nosso espírito, porque só com o autoclismo não vai lá, limpamo-la de imediato com um piaçaba…cósmico naturalmente.
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