quarta-feira, 30 de maio de 2007

Reparo numa miúda que almoça sempre sozinha. Há nela algo de personagem de filme do David Croninberg, algo inexplicável e ao mesmo tempo assustador, e fascinante, e que me atrai. Há ali garantidamente qualquer coisa de, diria, sinistro, a maneira como ela se esconde por detrás dos seus cabelos pretos compridos e encaracolados, não como manifestação de timidez, antes a mímica duma predadora acossada. A maneira como leva a comida à boca, como come afinadamente o croquete como se caviar se tratasse, nunca tirando os olhos do prato, do centro do prato, do centro do seu mundo, as pausas que faz, como que meticulosamente cronometradas entre o beberricar de mais um pouco de água, uma garfada, o limpar dos lábios com o guardanapo, e que dignidade tem aquele guardanapo de papel, como se fosse seda com a seda dos seus lábios, como se buscasse em todos os movimentos que faz a excelência, como se a quisesse aprisionar, só para si, a perfeição. Não se caia já na tentação de confundir este tipo de gaja que parece mesmo saída de um filme do David Croninberg, com o tipo de gaja que parece mesmo saída de um filme do Takashi Miike. Lembro-me daquele em que a gaja, uma santinha, afinal tinha a mãe em casa fechada dentro de um saco de batatas. O mesmo tipo de santidade virginal está presente nesta miúda mas, com um toque Croninberguiano. Ou seja, temos que estar preparados para sucessivas mutações que podem ocorrer na bela e distante criatura e acima de tudo extrapolar toda aquela instalação para o campo sexual. E a este nível, tenho dificuldade em arriscar fazer juízos de valor sobre este tipo de gaja em concreto. A minha especialidade são gajas que parecem mesmo saídas de um filme do David Lynch. Identifico-as a léguas, como que consigo projectar na minha mente as suas capacidades performativas. Embora seja mais bem sucedido depois na prática entre aquele tipo de gajas que parecem mesmo saídas de um filme do Tim Burton. E da filmografia deste realizador excluo obviamente, o Planeta dos Macacos. Apesar de brilhar no dito filme uma loirinha bem humana, ainda assim não era uma Burtoniana. Embora o que eu gostasse mesmo era agora de comer uma gaja que parecesse mesmo saída de um concurso da TVI. Irei no entanto continuar com as minhas observações, as minhas medições, calculando, tentado descodificar, encontrar uma qualquer brecha naqueles cabelos compridos e encaracolados.

1 comentário:

Pedro Duarte disse...

É extra-terreste, só pode.