Eu sei que não é fácil. Bem vejo os comportamentos atrapalhados daqueles incautos que quando vão muito bem a ler o seu jornal ou a reparar na racha da saia da gaja que vai sentada à frente, quando são confrontados e interrompidos pela presença desagradável de um pedinte a pedir esmola “por amor de deus”, para “comer qualquer coisinha”, a trautear refrães ou slogans de mendigo, e outros que nem precisam de abrir a boca. Não é fácil dizer que não. Somos confrontados com o drama alheio assim de uma forma tão directa que chega a ser desconcertante. Mas lá tem que ser, com mais ou menos desconforto ou vergonha, fica-se um bocadinho mais perto do inferno mas recusa-se a esmola porque senão um gajo não ganhava para os pedintes.
Não é fácil para os outros mas um bom bocado mais fácil para mim, que sou fantasma. Não que a minha discrição me faça imune ao contacto com tais vítimas da sociedade. A minha presença é notada, sou apenas mais um potencial fornecedor da miséria. Mas uma das características que mais agradeço a Nosso Senhor em boa hora me ter dotado e que, garanto-vos, não é produto de qualquer herança genética, é o facto de ficar impávido e sereno sempre que alguém se arrasta até mim a pedir esmola, e assim, conseguir escusar-me com toda a indiferença e facilidade a dar meia dúzia de trocos a alguém. Bem falta me fazem! Geralmente nem sequer olho para o indigente. Faço um pequeno e quase imperceptível aceno com a cabeça que é entendido como “tenho dinheiro mas preciso dele para comprar um telemóvel novo”. Eles compreendem.
1 comentário:
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